A filosofia e a psicologia positiva — Parte III — As forças de caráter — Espiritualidade
Tópicos
- Introdução
- Espiritualidade
- Etimologia
- Espiritualidade e Religião
- Espiritualidade e cosmos
- Conclusão
Série
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Introdução
Para que consiga levar o leitor a um sincretismo entre a filosofia e a psicologia positiva, necessito entrar no tema das forças de caráter de forma mais plena e aprofundada. A parte III estará constituída de uma série de 24 artigos elaborados a fim de esclarecer cada força de caráter de uma forma onde o leitor entenda melhor suas aplicações.
No artigo de hoje, a força de caráter apresentada será a espiritualidade.
Espiritualidade
A espiritualidade é uma força de caráter da virtude da transcendência. Tem uma conotação interpessoal e voltada para o emocional. De acordo com o teste da psicologia positiva, a descrição abaixo da espiritualidade é:
“Tens crenças fortes e coerentes acerca do propósito e significado superiores do universo. Sabes qual é o teu lugar num sistema mais alargado. As tuas crenças influenciam as tuas ações e são uma fonte de conforto para ti.”
Eu vou tomar com base essa interpretação porque a forma como a psicologia positiva enxerga essa força é para onde estão voltadas todas as intervenções para a compreensão e uso. O que podemos fazer além disso é chegar a uma interpretação derivada ou esmiuçar conceitos de outras fontes que estejam alinhados com esse princípio. Não teria muita coerência investigar outro significado diferente para as forças em questão visto que todo o processo deriva desse tipo de interpretação. O resultado seria falho.
Etimologia
De acordo com o dicionário Aurélio, espiritualidade é uma palavra derivada do latim spirituale. Uma das interpretações é que há uma oposição à matéria. Relativo ou pertencente ao espírito. Em outras fontes etimológicas, há referência em relação a parte grega, pneuma. Mas isso pode ser contra intuitivo do ponto de vista que pneuma significa ar. Porém não é qualquer tipo de ar: é um ar vivificador, a anima mundi.
As interpretações relacionadas a religião não estão erradas, mas incompletas, visto que utiliza-se muito o espírito para falar de coisas não-materiais. Um bom exemplo é o uso da palavra metafísica para designar coisas dessa mesma natureza quando o real motivo estava na classificação de coisas que diferenciavam da física nos escritos de Aristóteles na biblioteca de Alexandria. E física aliás, para a filosofia antiga, é muito diferente da forma como aplicamos o termo atualmente. Está muito mais relacionado com a Gênese das coisas (origem) do que com as coisas concretas.
Anterior à palavra grega pneuma houve uma outra palavra chamada apeiron [Paidéia — Werner Jaeger]. Temos que levar em conta que a linguagem é orgânica e que são necessários novos termos para designar determinadas situações. Para isso vou citar um exemplo: imagine que você precise explicar para uma pessoa de dois séculos atrás o que seria um link, online e outros termos atuais que utilizamos com frequência de forma cotidiana para a internet. Para quem não os conhece seria um monte de baboseiras. Por isso é necessário efetuar um esforço para se colocar no contexto da criação do termo. Uma série de novos termos foram criados para essa questão do princípio vivificador das coisas. Era uma nova mentalidade: trazer a tona novas formas de linguagem para explicar esse conceito é fruto de um esforço pedagógico imenso. Por isso, deixo claro ao leitor que essas palavras são orgânicas e extremamente passíveis de uma interpretação. Assim como pneuma é utilizado para explicar o princípio vivificador, “o sopro divino”, encontraremos referências semelhante a “água da vida” e outros elementos naturais que são mais coerentes com a cultura a qual fazem referência.
As virtudes, ou o conceito que temos atualmente do que elas são, foram um imenso esforço que os gregos, e depois deles os romanos, para explicarem determinados comportamentos humanos para transmiti-los e torná-lo reprodutíveis. Naquele contexto, a espiritualidade não estava desconectada do sentido religioso das coisas porque a cultura deles assim exigia. Porém, pensar em religião como a que temos atualmente é simplesmente vulgarizar o conceito de espiritualidade. Para uma interpretação mais próxima da definição: são coisas que estão além do físico, mas que o incluem, e que precisam necessariamente ser elevadas.
Você não diz que uma má experiência é uma experiência espiritual. A elevação está no sentido de buscar coisas mais nobres como boas emoções e bons pensamentos. Uma conexão com o invisível. Assim como não é uma experiência espiritual uma situação onde existe apenas um envolvimento financeiro, por exemplo. A contrapartida ao espiritual é a prostituição da ação. Uma forma de vulgarização de todo um caminho que foi corrompido na intenção de se pegar “atalhos”. Falarei mais sobre isso quando comentar os livros do Pierre Hadot.
Espiritualidade e Religião
Existe um alinhamento entre a espiritualidade e a religião. A raiz latina da palavra religião é religare, que significa ligar novamente a. Várias culturas, incluindo a cristã, considera que o homem tenha “caído” de uma condição, como no livro do gênesis, e que essa condição precisa ser restaurada. Entre os gregos existe o mito de Prometeu e em outra culturas encontramos referências semelhantes.
Há uma diferença entre a religião e a espiritualidade em termos conceituais considerando os radicais. Enquanto a espiritualidade está relacionada ao princípio que anima, a religião está relacionada com uma elevação ou um caminho de volta a condição original. Isso é necessário para esclarecer que a espiritualidade é contextualmente diferente de religião por conta do amplo uso atual no qual a palavra é utilizada.
Espiritualidade e Cosmos
O cosmos, junto com a harmonia, são conceitos gregos para explicação de um princípio ordenador das coisas. Surgiu de uma série de progressões e floresceu na Grécia Antiga junto aos filósofos do séc VI a.C. A ideia de que existe um princípio ordenador, mesmo que desconhecido, e que rege todas as coisas. O cosmos está diretamente relacionado com o principio ordenador, à ordem das coisas, do qual deriva a espiritualidade. A harmonia é o equilíbrio para que esse princípio ordenador se manifeste.
Conclusão
Nesse artigo falamos sobre espiritualidade. Nos próximos falaremos de outra força de caráter: o humor.