Cartas de um Estoico moderno — I (Sobre o excesso de ocupação)
Introdução
Eu resolvi escrever essas cartas com o objetivo de fixar o conhecimento sobre estoicismo. Nada melhor do que entender certas situações do quotidiano para aplicar as coisas e ajudar a resolver como chegar lá.
Por motivos óbvios, não consigo manter o mesmo padrão de escrita das cartas originais do Sêneca. Se tentasse seria terrível. Mas, com adaptações interessantes, espero torná-las legíveis e agradáveis.
O primeiro recurso estilístico que estou utilizando é uma saudação diferente: “salve”. Embora seja muito utilizada em subúrbios, torna a ideia elegante e ao mesmo tempo informal. Isso cumpre o objetivo.
O segundo e último recurso estilístico é o término da carta com PAZ e BEM. Essa é uma saudação dos católicos franciscanos que tem origens estoicas. Embora, sem a absoluta certeza da aprovação do Sêneca, cumpre a função do “Mantenha-se forte. Mantenha-se Bem.”
Os personagens são reais. As histórias fictícias. Mas qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência.
Sobre o excesso de ocupação
Salve Man!
Fico feliz em saber que você resolveu voltar aos estudos. E em comemoração a isso, vou falar um pouco sobre uma aflição que atinge muitas pessoas que iniciam sua dedicação a qualquer atividade de forma desinteressada: o excesso de ocupação. Há muitos equívocos aos quais temos que olhar com uma outra perspectiva para uma melhor percepção do que ocorre.
Sob uma visão mais ampla temos que analisar o que leva alguém a ocupar-se demasiadamente. Por exemplo, suponhamos que alguém sinta a necessidade de aprender mais e que esse encantamento leva-a a ocupar-se com uma série de atividades visando o conhecimento. Não é um motivo incomum, mas provavelmente ela perceberá que é limitada em tempo e recursos. A necessidade baterá a sua porta, a menos que tenha como sustentar-se indefinidamente. Além disso, mesmo sustentando-se indefinidamente há limites nos quais o dinheiro não alcança. Mesmo que uma pessoa possua tempo e dinheiro é praticamente impossível que ela leia todos os livros já produzidos! Atualmente muita gente considera informação conhecimento! Outra questão é que, para tornar um conhecimento válido, é necessária a aplicação desse conhecimento. É como se alguém soubesse toda a teoria e não tivesse experimentado um dia de prática.
Essa pessoa também pode precisar aprender por necessidade. Isso é um fator bem interessante e um pouco menos degradante que o primeiro porque há um risco. A necessidade é uma senhora cruel e impiedosa. Ainda assim, o excesso de ocupação provavelmente a levará ao fracasso caso não eleja prioridades. Isso geralmente é baseado em tempo e recursos.
Falamos de prioridades porque é exatamente nesse ponto que a pessoa muito ocupada comete seu maior erro. Man… uma pessoa com excesso de ocupação é uma pessoa que não sabe o que quer! Mesmo que você pergunte a ela, ouvirá um monte coisas idealizadas ou bullshits mentais a tal ponto que sentirá repulsa. Mas lembre-se de que nós agimos de forma coerente, temos que nos dar o benefício da dúvida. Por isso precisamos perguntar o que ela faz daquilo que considera ideal. Se você ouvir que ela não tem tempo para isso ou algo similar, já sabe. Coerência é tudo Man…
Tenha uma lista de prioridades. Isso é o básico. É necessário saber o que queremos da vida e o que é mais importante. Quem não sabe ou não se preocupa com isso é insensato. Como você alcançará a tranquilidade se não sabe nem quais são os valores que você precisa cultivar?
Outra coisa que advém do excesso de ocupação é a alienação da percepção. Há alguns tipos de tempo, mas o que eu vou falar aqui é sobre o de oportunidade. A vida é assimétrica em termos de compreensão. Uma coisa pode mudar tudo. É aqui que reside a grande chave de quem possui uma vida equilibrada: ela pode aproveitar a oportunidade quando surge. A oportunidade não é só em termos financeiros, mas abrange todos os aspectos da nossa vida. Um ocupado em excesso é alienado a esse tipo de percepção.
A oportunidade tem uma representação interessante no panteão grego: um semideus careca com um enorme topete na frente. Chama-se Kairós. Isso tem um simbolismo bem interessante: ou você pega a oportunidade de frente ou ela passa e você a perde. Você já aproveitou algumas oportunidades na vida e entende o motivo de estar colocando isso aqui. Quanto mais ocupado, mais escondidas estão as oportunidades. Claro que você deve estar preparado, mas isso é assunto para um outro dia.
Paz e Bem