O estranho prazer de executar as coisas no último minuto
“A liberdade autêntica impõe-nos certas exigências. Ao descobrir e assimilar nossas relações fundamentais com os outros e ao desempenhar com entusiasmo os nossos deveres, a liberdade verdadeira, que todos anseiam ter, torna-se realmente possível.”
Epicteto — A Arte de Viver
Há vinte anos, li um artigo chamado “O estranho prazer do último minuto” que descrevia a seguinte situação: pessoas que esperavam até o último minuto para agir e sentiam prazer nesse tipo de situação. Resolvi adicionar a palavra executar porque quero focar exclusivamente nesse tipo de ação, quais são seus motivos e explicar o porque isso não é saudável.
Trabalhando no mercado de software durante mais de 15 anos, até hoje vejo pessoas experientes levarem projetos ao fracasso por causa desse tipo de mentalidade. Algumas metodologias, como o SCRUM, tentam minimizar isso através de uma reunião diária onde o integrante da equipe é obrigado a responder questões relativas ao projeto, sobre o que fez e o que espera fazer. Mesmo assim, nenhuma técnica ou metodologia irá salvá-lo da ruína caso não exista comprometimento. O que as ferramentas fazem é mostrar o problema.
Mas como isso se refere a nós mesmos? O que faremos se formos nosso próprio chefe? Não existe ninguém para nos cobrar o que deveríamos fazer com relação a isso? E quem vigia os vigilantes? Embora almejamos sonhos e objetivos pessoais devemos ser capaz de nos conduzir. Isso é autossuficiência. Essa é uma exigência que a verdadeira liberdade nos impõe. Vou tentar abordar sobre isso sob o ponto de vista do estoicismo e de um empresário.
Essa insana espera, ganhou um nome mais técnico: procrastinação. A única diferença aqui é que no final as pessoas fazem! Sempre quando um problema passa a ser endêmico, palavras mais específicas começam a ser utilizada para uma caracterização mais teatral. A contrapartida é que, ao ser muito utilizada, pode ganhar notas amadeiradas de banalidade e florais de descrença como um vinho ruim avaliado por um péssimo sommelier.
O medo
“Dizer não posso como tinha entrado,
Tanto o sono o sentidos me tomaram,
Quando hei do bom caminho abandonado.”
Dante Alighieri — A divina comédia — Livro 1 — O inferno
Esse é o item do qual vamos falar: o medo. Todos temos medo. Muitas vezes o medo de errar ou de chegar a um objetivo sem saber o que faremos depois. Tal situação chega a pegar pesado com algumas pessoas a ponto dela querer evitar esse tipo de emoção a todo custo. Quando não existe mais nenhuma possibilidade de fuga, ela é obrigada a executar. Ao terminar a situação, geralmente depois de descobrir que não era nenhum bicho de sete cabeças, descobre que transpor aquele tipo de obstáculo não era tão difícil quanto imaginava. Isso quando a situação acaba bem… Mas por hora vamos ficar com esse caso de uso.
Geralmente ao estar dentro do problema e imerso nele, submergimos num estado de torpor mental. É o monstro, descrito por Cervantes em Dom Quixote, que vira um moinho de vento. Só que as causas ainda permanecem obscuras. Acordamos no meio do fogo cruzado. Lembre-se que depois que o problema aconteceu e a situação ficou ruim é muito fácil tentar fazer a retrospectiva para tentar evitar esse tipo de problema. Era tão óbvio! O que a maioria das pessoas não entendem é que somos muito mais limitados do que imaginamos ser. Afinal quem quer dizer a si mesmo que é uma pessoa limitada e afirmar a própria ignorância?
Um dos grandes sinais de progresso em relação ao conhecimento é o reconhecimento dessas limitações. É saber avaliar as possibilidades de cada recurso. Entender o que dá certo e o que dá errado. Saber os macetes. Só que os macetes são fruto de uma longa prática. O truques e àquilo que não se encontra nos livros porque os autores tem vergonha de admitir ou escrever. Porém é preciso diferenciar o conhecimento do intelectualismo. O conhecimento não está ligado somente com a teoria, embora até a definição de teoria seja algo tenebroso hoje. Antigamente, quando Aristóteles cunhou esse termo, a teoria era o extremo da prática. Hoje teoria é derivada de outra teoria. Costuma-se chamar isso de fofoca de cientista porque na maioria das vezes eles não se dão ao trabalho nem de testar se algo é válido! Para entender melhor, precisaremos voltar um pouco a história e ao modo de educação antigo: o conhecimento era a perfeita educação nos costumes e envolve pensamentos, sentimentos e atos. Ou seja, o conhecimento envolve também a ação e o medo ao não agir é contrário ao conhecimento, do qual a ação é um componente, fruto da ignorância.
Pode ser que o medo de errar faça parte do seu cotidiano. Ninguém gosta de fazer algo para dar errado. Existe, porém, um argumento que está evidenciado atualmente no mundo dos negócios: eles dizem que se você for errar, que erre cedo. Isso tem razão por vários motivos:
Você não controla as circunstâncias externas. No máximo pode ter uma noção de como isso funciona e ainda sim deve entender cada vez mais as limitações. Logo errar no começo dará tempo de corrigir com habilidade ou renegociar prazos. Imagine alguém saber na última hora que o seu projeto de 6 meses está no buraco? Ninguém gosta de saber de última hora que algo simplesmente não funciona.
Ao trabalhar com tarefas que envolvem um grau de incerteza, àquelas que podem não ter um final feliz, você direcionará seus esforços as coisas a serem cada vez mais enxutas. Na prática você prefere perder 100 ou 1000 reais? Essa é uma das discussões centrais do livro A Startup Enxuta do Eric Ries que culmina num produto mínimo viável. Embora o exemplo acima cite dinheiro podemos utilizar qualquer tipo de energia, como o tempo. Perder 10 ou 100 horas? O tema central é evitar cada vez mais desperdícios.
O que envolve o último exemplo é que certas coisas estão num grau de idealização tão alto que não queremos nem testar se isso funciona ou não, transformando sonhos e crenças em dogmas. Afinal, imagine como é descobrir que sua crença de tantos anos, não possui nenhum lastro no mundo real?
Isso é semelhante a fábula da boneca de piche: começa com um macaco que adorava roubar bananas num sítio. O dono do sítio fez inúmeras armadilhas para tentar pegar o macaco sem sucesso. Um dia ele colocou uma boneca recoberta de piche na beira de um rio e esperou. O macaco quando viu a boneca de piche ficou encantado. Começou a galanteá-la mas ela continuava muda. Depois tocou a mão da boneca e ficou grudado. Por fim, tudo o que ele tocava grudava e dessa maneira ele foi pego na armadilha. Temos tão alto sonhos que não entendemos que são armadilhas psicológicas como bonecas de piche. Ficamos tão presos que fica difícil se livrar desse tipo de situação.
A grande questão não é se você vai errar, mas quando. Embora nenhum de nós procure o erro, as circunstâncias externas estão alheias a nós. E dos erros, ou as novas evidências, geramos novas opiniões. Eu poderia citar exemplos de atletas de alta performance, mas isso está tão longe de uma pessoa comum que se torna banal e inalcançável. Mas o acerto costuma ser fruto de algumas tentativas. O que eu posso afirmar é que o erro ou acerto é irrelevante na conclusão de uma atividade se você não interagir. E quanto maior a quantidade de ciclos de interação, mais acertado o resultado tende a ser. Ao executar a atividade de forma tardia, por medo de errar, é muito mais provável que você esteja certo quanto ao fracasso pela menor quantidade de interações!
O que te causa mais medo do que o medo de agir e estar errado? Pode estar ai uma das chaves para escapar da armadilha.
O que faremos depois de atingir o nosso objetivo?
Esse é o segundo medo que falaremos. O medo do desconhecido. O que irei fazer depois de terminar? Como será o futuro?
Se isso é um sistema de previsibilidade, agir no último minuto diminui as possibilidades de você controlar a situação. Se você quer prever o futuro com medo do depois é simples: agir no último minuto tem grande possibilidade de dar merda! Quanto mais pró ativo você é, mais controle da situação você pode ter.
O que eu faço por não saber como começar?
Atualmente é fácil provar que isso é uma falácia narrativa. Não saber nunca foi uma desculpa cômoda. A causa real, dizer que não se importa ou não se interessa por isso, é difícil em alguns casos. Eu não conheço ninguém que tenha aversão a ensinar coisas. A pessoa pode não ter paciência ou ter outros motivos, mas aversão é difícil. Embora possa parecer complicado no início, ir atrás de alguém que possa ensinar é um dever. Com a internet, fóruns, vídeos e afins estão ai para disseminarem cada vez mais conhecimento, fica muito mais fácil saber por onde começar.
O Tédio ou o herói inconsciente e invisível
“Um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio.”
Anaxágoras de Tarento
Pode ser o grande Aquiles mais lento que uma tartaruga? Para isso teremos que voltar a antiguidade, em Eleia na Grécia, e conhecer Zenão. Se ele fosse brasileiro seria nordestino, mais especificamente um contador de causos. Só que ele era grego e resolveu pregar uma peça, ou um paradoxo, como é comumente chamado. Aquiles, o grande herói da guerra de Troia, e uma tartaruga resolveram disputar uma corrida. Aquiles, na sua grande generosidade, concedeu uma vantagem a tartaruga que largou um pouco a frente.
O paradoxo consiste em que Aquiles, ao chegar ao ponto onde a tartaruga estava, ela já andou um pouco. Assim ao chegar novamente onde a tartaruga se encontra, ela também já andou mais um pouco, e assim sucessivamente, ad eternum. Segundo o paradoxo, Aquiles jamais alcançaria uma tartaruga! Na prática, tudo é um monte de besteira para pegar desavisados(vulgo otários)!
O que o tédio tem a ver com isso? Bom… o tédio é um paradoxo de igualdade entre um ciclo de atividades, que geralmente não gostamos de fazer ou que não vemos razão para isso. Está conectado diretamente com o nosso emocional, como a maldita ideia circular de que o Aquiles jamais conseguirá ultrapassar a tartaruga! Começa por roer a vontade, principalmente pela cegueira da falta de percepção, e, ao se deparar novamente com atividades que possuem características semelhantes, as relegamos ao limbo.
Vou me apropriar de um outro exemplo descrito no livro “A lógica do Cisne Negro” do Nassim Taleb. Acredito que todos saibam o que foi o atentado do dia 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque nos Estados Unidos. Se você não sabe, existe um link na parte de bibliografia.
Segundo Taleb, devemos imaginar um legislador que pouco tempo antes do atentado (tempo razoável para que a lei fosse cumprida e executada) propôs uma série de normas de segurança para vôos onde as cabines são protegidas a prova de balas, etc. No exemplo ele ainda sugere que o legislador fosse uma pessoa boa, humana e não sociopata (o que é impossível !). Claro que isso contém uma certa ironia. Nunca saberíamos o que foi o atentado de 11 de setembro de 2001 pelo fato de que ele nunca ocorreria. Também não costumamos aplicar honras as pessoas devido ao fato de tomar decisões que preveniriam coisas que nem elas mesmos sabem. E aqui temos o nosso legislador como um herói inconsciente e invisível!
Sabe-se que para aprovar uma lei desse porte exigiria um enorme lobby por parte das companhias aéreas contrário a lei devido ao custo de implantação. Alguns custos apenas se justificam depois do ocorrido. A frase: “se existe é porque tem história” é muito relevante.
Para que exista um herói é necessário que exista uma série de eventos. O principal deles é uma superação pessoal face a um grande problema. Mas se o problema está no futuro como vamos entender que ele jamais ocorreu por ações do passado? A falta de reconhecimento, em alguns casos, gera frustração, e por consequência, tédio. Tende-se a não valorizar atividades que não tragam retornos visíveis mesmo tendo noção de que seja o certo a ser feito. Isso é até lógico porque para progredirmos precisamos ter consciência.
Outra questão é a dose necessária de crença mesmo em face de tarefas que tendem a nos levar ao tédio. O próximo exemplo vem do livro Hábitos Atômicos do James Clear. Em uma determinada parte do livro, um treinador de fisioculturismo disse que a parte mais difícil do processo da construção de um atleta é fazer com que eles vençam o tédio. O escritor Steven Pressfield coloca isso em outras palavras: que a sua tarefa mais difícil não é escrever mas sentar para escrever. Ir treinar todos os dias um conjunto de grupos musculares não deve ser uma coisa tranquila. Demora um certo tempo para os resultados aparecerem e até lá o único fato é que você está trilhando um processo que pessoas estiveram treinando antes. Ah… sem garantias.
O Tédio é um recurso natural que temos ante a atividades que não estão claras a nós mesmos. Começamos a repudiar atividades nas quais não enxergamos valores ou que tenham valores incompatíveis com àqueles que almejamos. E isso não é um recurso ruim, muito pelo contrário. Ele é útil e significa que ou o nosso entendimento está errado, ou a atividade é ruim mesmo. Ao deixar que o tédio consuma a vontade de agir, estamos potencializando o efeito de desgosto de uma atividade. É mais fácil curar o tédio quando ele é um filhote de leão. Ao crescer e chegar a idade adulta fica um pouco mais complicado.
O Tédio é vencido com clareza. Nos entediamos por algum motivo. Nós não controlamos a forma como as outras pessoas visualizam os nossos resultados. A necessidade de reconhecimento, a gratidão, etc. Isso é legal quando acontece, mas não depende de nós. O que controlamos é a forma como nós enxergamos as coisas. Isso está na nossa esfera de influência. Então como enxergar isso?
De antemão eu já coloco que não é fácil e nem tranquilo. Isso porque em algum momento nós sentimos necessidade dessa interação com o mundo externo e precisamos dela. O Ser humano é social por natureza. Temos família, parceiros, filhos, etc. Porém também temos a nossa individualidade. A pressão externa também gera o tédio. Isso pode ser uma das causas pelas quais deixamos as coisas para quando não tem mais desculpas.
As metas SMART e ferramentas como o 5w2h podem ser úteis para nos mostrar clareza da situação. Além disso a metodologia SCRUM pode ajudar devido ao acompanhamento diário e uma interação contínua. O fato de todos os dias você anotar as coisas e visualizar isso pode gerar um senso de urgência, ou vergonha (falo por experiência própria!). Chega a um ponto que você mesmo considera imoral colocar um não fiz em determinada tarefa! O principal fator é que você seja comprometido com o uso destas ferramentas. Não é a técnica, e isso precisa ficar claro, é o processo e a atitude frente a ele. Nenhum recurso técnico pode te auxiliar se falta compromisso.
A ansiedade ou o esquema da piramide financeira das emoções
Às vezes a ansiedade impede as pessoas de iniciarem uma tarefa. A expectativa do resultado e ausência de informações, aliados com uma profunda necessidade/carência, faz com que a pessoa simplesmente dê uma “pane seca” frente a ação. “É tanta coisa que eu tenho que fazer que não sei por onde começar”. Isso se torna uma ideia circular, semelhante a do paradoxo da tartaruga e o Aquiles. Em computação isso tem um nome peculiar: deadlock. É literalmente uma situação de impasse onde você precisa do resultado mas não se encontra condições de executar.
Um esquema de pirâmide financeira é um tipo de negócio, geralmente fraudulento, onde a base da pirâmide custeia o esquema de comissões de quem está acima. Com a famosa frase: “quem chega primeiro bebe a água limpa” os iniciantes, muitas vezes nem eles, são os únicos que podem obter algum proveito. Para que se caracterize fraude é necessário que o esquema se torne insustentável, o que na maioria dos casos acontece, visto que a hereditariedade do sistema costuma ser eterna. A mesma coisa acontece com as emoções do ansioso. A expectativa e a necessidade são grandes o suficiente para que o sistema fique insustentável.
Eu poderia voltar ao paradoxo comentado na seção anterior, mas vou contar uma outra anedota: o mito de Sísifo. Sísifo era considerado o mais astuto dos mortais na antiga Grécia. Ulisses, o criador do cavalo de Troia na Ilíada, em alguns livros possui uma descendência provinda de Sísifo. Dizem as más línguas, mas isso nunca pode ser verificado, que segundo fontes imaginárias, os malandros cariocas também são descendentes dele. Mestre da malícia e da felicidade, Sísifo foi o homem mais odiado pelos deuses, um malandro por natureza. Isso fica cada vez mais claro quando descobrimos como ele os fez de otários várias vezes.
Certa vez, ele despertou a raiva do grande Zeus, que enviou o deus da Morte, Tanatos, para levá-lo ao mundo subterrâneo. Porém o esperto Sísifo conseguiu enganar o enviado de Zeus. Elogiou sua beleza e pediu-lhe para deixá-lo enfeitar seu pescoço com um colar. O colar, na verdade, não passava de uma coleira, com a qual Sísifo manteve a Morte aprisionada e conseguiu driblar seu destino.
Durante um tempo não morreu mais ninguém. Sísifo soube enganar a Morte, mas arrumou novas encrencas. Desta vez com Hades, o deus dos mortos, e com Ares, o deus da guerra, que precisava dos préstimos da Morte para consumar as batalhas. Tão logo teve conhecimento, Hades libertou Tanatos e ordenou-lhe que trouxesse Sísifo imediatamente para as mansões da morte. Quando Sísifo se despediu de sua mulher, teve o cuidado de pedir secretamente que ela não enterrasse seu corpo.
Já no inferno, Sísifo reclamou com Hades da falta de respeito de sua esposa em não o enterrar. Então suplicou por mais um dia de prazo, para se vingar da mulher ingrata e cumprir os rituais fúnebres. Hades lhe concedeu o pedido. Sísifo então retomou seu corpo e fugiu com a esposa. Havia enganando a Morte pela segunda vez.
Sísifo aprontou muito mais (leia o link da Wikipedia na parte de bibliografia) e morreu de velhice, mas não sem antes receber uma punição: foi condenado a, por toda a eternidade, rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.
Onde se encaixa a ansiedade no mito de Sísifo? A necessidade de resultados rápidos, questão muito evidente no ansioso, leva-os futuramente a não-ação. Outra questão muito comum do ansioso, e também dos inexperientes, é a incapacidade de avaliar o esforço. A expectativa de resultados rápidos tira deles essa capacidade. O suposto entusiamo faz com que o ansioso se engane. Ao perceber, você tem uma “batata quente” nas mãos. Há mais um porém: segundo a psiquiatria, a ansiedade é o estado que antecede a depressão. A depressão é semelhante a uma pedra gigante que você precisa rolar cume acima e, perto de chegar ao topo, suas mãos escorregam e a pedra volta ao ponto de início. Uma versão atual do mito de Sísifo é o filme Star Wars: Episódio III — A vingança dos Siths, que conta como Anakin Skywalker se transformou em Darth Vader.
O paradoxo do excesso de ocupação
Há um ditado popular: se você quiser as coisas prontas rápidas entregue-as a uma pessoa ocupada. Não é desse tipo de ocupado que eu quero falar. Essa é uma pessoa que realiza e que em ocasiões raras deixa as coisas para a última hora. E quando as deixa é porque realmente não houve tempo hábil para realizar. É uma questão de atitude. Existe um outro tipo de pessoa ocupada: àquela que se ocupa com um monte de coisas que não realiza nada, ou muito pouco, porque supostamente tinha outras coisas para fazer. Esse tipo de pessoa é uma fraude. Quando ela realiza, lembre-se que o tema que estamos falando é de uma execução tardia, faz porque não tem outro jeito.
Para a ocupação em demasia é notada a falta de prioridades. O excessivo movimento tem objetivo de gerar uma sensação de autoafirmação, porém sem resultados. Esse tipo de pessoa sempre está fazendo alguma coisa e não terminando nenhuma. A relação da falta de prioridades com a coerência é gritante. E a não coerência deriva da falta de autoconhecimento.
Por que a falta de autoconhecimento está relacionada com o excesso de ocupação? Essa resposta é simples: pergunte o que é realmente importante para esse tipo de pessoa. Ele te dará respostas prontas ou vazias. Para esse tipo de resposta pergunte o que ele faz e realmente executa. Geralmente ele dirá que não faz porque é ocupado demais. Logo, por definição, nem ela sabe o que é importante. A escala de importância dessa pessoa veio com defeito e a ausência de coragem em consertar isso é inversamente proporcional ao grau de humildade que ela possui. A cagada que ela fez está tão grande que ela mesmo tem um bloqueio para admitir.
Com relação as causas externas que podem auxiliar nesse tipo de comportamento existe a valorização dos instintos e sensações. Isso tem o incrível poder de passar diretamente pela razão e pelo bom senso. Dão, literalmente, um “bypass ou passe”. Imprimir consciência disso leva tempo, treinamento e um grau de esforço contínuo. Por exemplo, suponha que você seja um empregado que está insatisfeito com o seu salário. Você pediria aumento em um dia no qual o seu superior imediato está de mau humor? Espero que a sua resposta seja não. A possibilidade é muito grande dele te dar uma resposta ruim estando irritado.
Da mesma forma que você fica com a pulga atrás da orelha quando marca uma nutricionista e chegando ao consultório, constata que ela está acima do peso. Pode ser que exista uma boa causa para isso, como algum distúrbio hormonal. Mas se a nutrição que ela faz não funciona nem para ela porque funcionaria em você? É um pensamento inevitável.
Instintos e sensações existem para nos proteger. A contrapartida é que eles podem ser utilizados para nos manipular como a sensação de autoafirmação no caso do excesso de ocupação. Fenômenos como o empreendedorismo de palco, os “Beautiful people”, entre outros são consequências dos valores cultivados pela sociedade que em um determinado momento, foram tidos como válidos. Até que as coisas ficaram insustentáveis e a conta não fechou.
Começarei pelo empreendedorismo de palco. Em meados de 2016/17, numa época em que os encontros presenciais eram a regra, as palestras motivacionais tinham um alto poder de influência no mercado. O palestrante geralmente é alguém com prova social alta, que tem grande poder de atração de público para isso. No meio disso uma empresária, chamada Bel Pesce, formada pelo MIT , era referência nesse tipo de evento. O show business é legal até que alguém se sinta lesado. O que aconteceu?
No meio de uma elucubração maluca, ela resolveu “emprestar” o seu nome (claro que existia uma comissão em cima disso!) para um empreendimento de crowfunding chamado “Zébeleo”. Esse empreendimento era uma hamburgueria gourmet com preços muito acima da média de mercado. Acontece que o vídeo do crownfunding da hamburgueria é uma piada de muito mal gosto (ele está na parte de bibliografia)! E isso irritou alguns publicitários. Eles foram atrás dela e “puxaram a capivara”. Qualquer semelhança com a história da Betina da Empiricus é mera coincidência.
Embora ela seja formada no MIT com duas graduações, ela inflou muito o currículo dela para parecer alguém que ela não era. Ninguém faz um background check extenso para uma palestra ou evento. Descobriram que ela fazia parecer que tinha feito coisas onde ela não teve nenhuma influência ou foi irrelevante. A empresária de grandes realizações tinha realizado muito pouco. Por este motivo, o fenômeno ficou conhecido como empreendedorismo de palco.
Beautiful People são aquelas pessoas que aparentam ter uma vida perfeita com o objetivo de obter credibilidade para vender mais. Embora o empreendedorismo de palco seja um subproduto dos Beautiful People, a maioria deles é mais esperta. Sim, eles são muito mais qualificados! Eles se utilizam de uma “maquiagem de dados” para vender. Geralmente posam de “coachs”, utilizam-se de boas técnicas de persuasão, atreladas a “programação neuro-linguística”, e imagem. Posam com carros de luxo, modelos, bons vivants para burlar a ausência de resultados. Com o fenômeno da internet eles estão se multiplicando.
Qual é a relação disso com o paradoxo do excesso de ocupação? Todos eles se enganam. A fraude está em parecer ser ao invés de realmente ter vivenciado uma experiência. E no final essa pessoa extremamente ocupada, para não se queimar demais, faz as coisas a “toque de caixa” e entrega algo muito abaixo do que ela vende. E numa concepção mais realista, isso é fraude!
Outro problema é a aderência a muitos tipos de técnicas para atrair esse tipo de público. Quase em sua totalidade utilizam-se de instintos e sensações com o objetivo de “maquiar os resultados” de forma consciente. Não preciso questionar o aspecto moral disso porque é desnecessário.
O fato é que o excesso de ocupação não é uma coisa boa. É um auto-engano contínuo em busca de algo que não virá. A falta de prioridades faz com que essas pessoas queiram “abraçar o mundo” de uma forma ingênua. E isso tem um preço.
O mecanismo da droga psicológica
Como já passou algumas páginas quero relembrar que estamos falando do prazer de executar as coisas no último minuto. E esse tipo de atitude é semelhante ao funcionamento de droga ilícita.
A sensação do prazer da tarefa cumprida atrelada a um alto estresse emocional causado pela procrastinação é a recompensa. Charles Duhigg no seu livro O poder do Hábito, explica o mecanismo de funcionamento do hábito que inclui a recompensa como parte final do processo. O prazer desse tipo de execução torna-se muito mais lesivo quando se transforma em hábito, ou melhor, vício que é como chamamos um habito ruim.
Se você nunca ouviu histórias de pessoas que fizeram as coisas no último momento, sob pressão e que, por incrível que pareça, deu certo, parabéns! Você é único. Tendemos a valorizar resultados advindos de momentos de alta pressão e estresse como se eles fossem atos heroicos e não um desleixo porque deixamos as coisas para a última hora. Um nome mais técnico para isso: falácia narrativa.
A grande sacada é que isso é altamente assimétrico. Não importa quantas coisas você faça de forma fluida e suave, se uma delas que você deixa para a última hora e dá certo é o suficiente. Mesmo se você possuir evidências de inúmeras vezes que não deu muito certo, o que normalmente não acontece, porque ao deixar para o último minuto não se documenta, você já foi fisgado. “Depois de ver você não pode desver!” E isso o perseguirá durante um tempo porque sua escala de valores foi seriamente danificada.
Outro ponto desta assimetria está no viés da confirmação. Quando almejamos alguma coisa, qualquer coisa, tendemos a aceitar com mais facilidade qualquer evidencia que confirme nossas crenças. Deixa-se de lado tudo àquilo que pode dar uma merda colossal. E é por isso que quem executa no último minuto e obtém algum sucesso, mesmo que ínfimo, tende a fazer isso mais vezes. É um efeito bola de neve.
No livro SCRUM — a arte de fazer o dobro do trabalho em metade do tempo, há uma passagem onde o autor diz que o ideal para que se atinja o estado de fluxo contínuo é que não existam atos “heroicos”! Por que? Pelo desgaste dos componentes da equipe. O trabalho fluido é o menos estressante possível. Aliás, ao invés de ser estressante, é calmo e une a equipe. Trocar o falso heroísmo de ter que ficar até tarde da noite, de uma pressão externa, entre outras coisas, por uma coisa mais tranquila e fluida, é inteligente. O esforço está em entender os passos necessários para ter uma vida fluida, leve e sem transtornos. Este é o verdadeiro heroísmo.
O vício de deixar as coisas para última hora produz problemas de grande impacto na sua vida. Mina as realizações e transforma você em uma pessoa sem credibilidade que caminha na direção oposta aos seus objetivos. Querer torna-se não querer.
O impacto dos resultados ou sobre o que significa trabalho
Trabalho é resultado. Seja ele positivo ou negativo. A diferença é a quantidade de energia (tempo e dinheiro) que você gastará para chegar até lá. Ao não existir resultado o que existe é um desperdício, tanto de tempo quanto de dinheiro. Torna-se especulação, não trabalho.
Vamos destrinchar mais isso. Isso pode estar claro num primeiro momento mas começa a ficar mais turvo com alguns casos de uso. Um funcionário, parceiro comercial, etc. do qual você pediu para fazer uma determinada tarefa, que exige uma certa dedicação, chegou até você e disse que a tarefa não estava pronta no último momento. Você como um gestor dessa tarefa também não interagiu e deixou as coisas para o último minuto. O ponto é que o resultado não foi gerado e por consequência, não teve trabalho.
No segundo caso, você passou o trabalho e um procedimento para execução e no final o resultado estava muito aquém do esperado. Também não teve trabalho.
O diferencial principal é que para chegar no resultado ele deve atender as expectativas iniciais e deve possuir interação, que pode até ser diminuída com a facilidade de execução. Pense numa reforma: o pedreiro sabe executar o trabalho dele, mas porquê a maioria dos trabalhos de reforma demoram mais do que o esperado? Há vários motivos, mas o principal é a falta de comunicação. Ele não te avisou, e talvez você também não conferido, que o cimento não dava pra executar todo trabalho.
Ao deixar a execução para o último minuto, a interação e a comunicação, que são os verdadeiros geradores de resultado, se dissolvem. Será necessário mais energia para chegar a um resultado satisfatório.
O estoico e o empresário
Vamos falar um pouco sobre como o estoicismo mitiga esse tipo de ação tardia. Resolvi incluir o perfil do empresário porque em determinados aspectos ele é bem parecido com o estoico. Ninguém o cobrará, exceto se der uma merda colossal ou ele não entregar o serviço. Não tem ninguém atrás dele em busca de resultados e o empresário precisa tomar a atitude de chegar a um objetivo.
O primeiro fator é que a motivação vem de dentro. Isso precisa ficar claro que a disposição em atingir o resultado é sua. Por esse motivo é que, embora inúmeras ferramentas para tratar o problema possam ser apresentadas, não funciona se o passo inicial não for dado. E esse passo é a necessidade/desejo de chegar a algum lugar. Isso deve ser pré-existente para qualquer abordagem que eu vou apresentar abaixo.
A qualidade, em algum momento a quantidade, do trabalho será comprometida caso ele comece de forma tardia. Existem imprevistos em todos os tipos de trabalho que geralmente podem ser contornados com facilidade caso você comece cedo de forma que não despenderá tanto esforço para executar uma atividade. Um material pode faltar. As coisas podem não estar na ordem que se imaginava… adicione aqui algum tipo de imprevisto do seu trabalho.
O próximo ponto pode ser esperar que alguém resolva ou que as coisas se resolvam sozinhas. Esse tipo de abordagem, principalmente relacionada ao estoicismo onde o objeto de trabalho é você, não é muito boa. Acontece que há muitos casos onde a negociação precisa ser refeita e isso requer uma certa habilidade, mas “empurrar com a barriga” em muitos casos é falta de coragem. Tem situações que por natureza são mais delicadas, mas deixar para a última hora coisas que possam ser da nossa responsabilidade é um erro que pode custar caro. O que eu posso fazer?
Avaliar a situação, encontrar um momento de vantagem, agir. O estoicismo aborda alguns exercícios onde a principal tônica não é o se, mas quando. Isso significa que o estoico sempre deve fazer algum tipo de exercício para enfrentar a adversidade. Ninguém tem muito receio de enfrentar uma coisa para a qual foi devidamente treinado. Isso não é premissa de que não irá sofrer, mas sofrerá menos. Procure pelo método Starbucks no livro O poder do Hábito do Charles Duhhig.
O medo de errar, do desconhecido e de não saber fazem parte de uma falácia narrativa. O erro quanto mais cedo melhor. Executar é libertador. Expurgue da sua mente opiniões que não são sustentadas com ações ou que são sustentadas por outras pessoas sem a sua aplicação prática. Esse é um exercício de limpeza mental porque te impele a agir da seguinte forma: ou você torna o conhecimento seu ou descarta. Não tem negociação. O medo de não tentar deveria ser muito maior do que qualquer dos anteriores porque ao deixar para a última hora, mesmo que o problema seja fácil de resolver você terá pouco tempo.
Com relação ao tédio, falta clareza ao seu possuidor. O principal fator é que não se enxerga valor no que se está fazendo e isso precisa ser esclarecido. No estoicismo, o bom ordenamento da mente é uma pré-condição para atingir um estado de tranquilidade independente das causas externas.
A ansiedade já entra num outro patamar. Ela é aquela pessoa que só pensa em dinheiro e justamente por isso não o tem. E de quebra, no último minuto, existe a necessidade, que é uma senhora cruel, impiedosa e mesquinha. Para o ansioso a melhor metáfora é a do elefante. Um dos meus mentores disse isso: coma um elefante com uma mordida de cada vez! Costumava ter um amigo que também me dizia que numa viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro você não via o Pão de Açúcar da Praça da Sé! Precisa trilhar o caminho. E os obstáculos fazem parte dele. Ao ansioso, agir no último minuto, apenas potencializa a ansiedade.
Imprevistos acontecem. Há trabalhos que necessitam de espera para que sejam tomadas decisões acertadas. Mas sempre podemos fazer alguma coisa. Vamos supor que num campeonato de futebol apenas os jogos daquele campeonato valem pontos. Por que então um time treina? Qual é o motivo dos jogadores fazerem musculação, fisioterapia preventiva, etc. ? Essa deve ser a mentalidade.
Se você chegou até aqui muito obrigado por ler tudo o que eu escrevi. Caso queira, deixe um comentário sobre o que você achou do artigo.
Bibliografia
Star Wars: Episódio III — A vingança dos Siths
O Atentado de 11 de setembro de 2001
Hábitos Atômicos — James Clear
Bel Pesce e o empreendedorismo de palco