Por que boas ideias fracassam tão rápido?

O filósofo
11 min readOct 26, 2020

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Introdução

Era uma vez um pé de feijão… Quase todo mundo, quando era pequeno, deixou uma semente de feijão em um algodão umedecido e esperou alguns dias para brotar. Foi o que o cara da foto abaixo (o nome dele é Gabriel!) fez. Depois de uns cinco dias ele trouxe o feijão aqui para casa para que eu o plantasse. Minha irmã mora em um apartamento e não dá pra plantar um pé de feijão lá. Assim o fizemos.

O grande problema é que depois de uma semana, regando todos os dias o pé de feijão teve um triste fim. Alguns dias depois ele veio aqui e me fez a seguinte pergunta: Tio Marcos por que o feijão morreu? Sem saber o que dizer, eu realmente não sabia o motivo, respondi: Não sei querido, mas eu vou consertar isso!

Existe um outro background nessa história. Eu tenho um projeto de uma horta aqui em casa. E digo um projeto, porque se eu vivesse de agricultura iria passar fome! Não gosto muito de agricultura, mas mantenho a horta por alguns motivos: aqui em casa não temos animais de estimação e a horta, além de um passatempo, é uma atividade onde requer algumas virtudes. Há a necessidade de regá-la todos os dias; é necessário remover as ervas daninhas e além disso eu tenho como dar vazão a uma série de experiências que eu faço com automação: rega automática, telemetria, verificar crescimento etc. Uso isso para produzir artigos e ter uma disciplina nas coisas. E o processo de aprendizagem é muito rico. As plantas possuem suas peculiaridades e crescem no seu tempo. Ou você segue a regra delas, ou elas morrem.

As grandes experiências que eu fiz com sementes deram errado. Primeiro tentei utilizar uma bandeja de casca de ovo, depois uma sementeira transparente e por fim estou projetando uma estufa. E, acredite em mim, plantar algo da semente é a coisa mais tensa e surreal que você vai encontrar. Até que as mudas estejam bem desenvolvidas, qualquer coisa pode arruinar tudo. Muitas outras técnicas são muito mais eficientes, porém elas quase não se aplicam a hortaliças. Basicamente são necessários dois requisitos para que a semente se desenvolva: umidade e temperatura. Existe os requisitos de solo e nutrição, mas qualquer terra própria para jardim serve para hortaliças e custa 20 reais aqui em São Paulo. A luz do sol é sempre a mesma. Numa estufa, você consegue controlar esses dois itens e mantê-los com maior facilidade que deixar as coisas ao relento. Elas são utilizadas em larga escala em países frios e, por incrível que pareça, tem uma boa adoção aqui no Brasil pelo aumento de produtividade por espaço de plantio e previsibilidade.

Junto a isso escrevo uma coluna toda semana para um site de eletrônica falando sobre novas tecnologias e me deparei com o seguinte artigo na HBR: “Start Stopping Faster” (comece a parar rápido, em tradução literal). No artigo, li algumas dicas interessantes sobre uma das coisas que geram grandes problemas, nesse caso para a inovação. Podemos traduzir inovação para ideias.

Por que, então, boas ideias fracassam tão rápido? Vamos elucidar alguns motivos.

A Técnica “Amyr Klink”

No livro “100 dias entre céu e mar” é narrada a história de como o Amir Klink, por ele mesmo, atravessou, desde a África até a Bahia pelo Atlântico Sul, num bote remando aproximadamente 8 horas por dia durante 100 dias. O problema do bote é que no mar aberto ele estava sujeito às intempéries e a solução que ele encontrou no projeto do bote foi bem inteligente: “não importa o que aconteça com o bote, mas se acontecer algum problema, deve ser resolvido rápido. Isso não significa que ele não pode virar, mas se isso acontecer (e aconteceu várias vezes) eu preciso conseguir colocar ele pra navegar rápido”.

Acima está a foto do bote que o Amyr Klink construiu. Se você não conhece a história dele eu recomendo que você busque uma entrevista dele no YouTube. Esse cara é extremamente fora da curva. Vai valer a pena! Ele é economista de formação e aprendeu tudo sobre navegação de forma autodidata e a pensar fora da caixa. Para resumir o ensinamento dessa técnica o Mike Tyson tem uma frase muito famosa: “Todo mundo tem um plano até tomar o primeiro soco na cara!”.

Resumindo: se sua ideia é boa ela tem que sobreviver às intempéries e você precisará criar as condições necessárias para que ela floresça.

O dilema do compartilhamento

Antigamente, na época do DOS 6.22, Windows 3.11, durante a popularização do uso de computadores domésticos, as pessoas quase não compravam software. Não existia Google, Internet e outras coisas tão normais do nosso dia-a-dia. Como então a microsoft embarcou na vanguarda dos softwares dominando as coisas?

Eles adotaram uma tática muito simples: deixaram ser pirateados. Quando os computadores padrão IBM-compatível saíram, eles precisavam utilizar um sistema operacional, por que não o DOS/Windows? Assim eles matavam dois coelhos com uma cajadada só: difundiam o software e eliminavam a concorrência. Assim eles mantiveram uma fatia gigantesca do mercado durante muito tempo porque não existia concorrência que os ameaçasse. Existiam softwares concorrentes, mas provavelmente você nunca deve ter ouvido falar!

Um pouco depois, as empresas de software começaram a agir contra a pirataria. Porém o software estava difundido demais para ser ignorado e custos como: aprendizagem, concorrência (que também não era gratuita), desenvolvimento eram altos e compensava muito legalizar tudo. Foi assim que a Microsoft se apoderou do mercado.

As pessoas costumam ter ideias boas e acham que elas são o supra-sumo do poder. Uma ideia boa não implica em uma execução boa. Vou demonstrar isso através de outro exemplo:

O ipod foi um dos produtos que tirou a Apple do buraco negro em que ela estava anteriormente. Nessa época a Apple tinha sido salva de uma falência quase certa. O Steve Jobs tinha acabado de voltar depois de uma singela expulsão da empresa que ele criou. Ele conta resumidamente a história dele nesse video. Para quem não conhece, o Ipod era um player de MP3. A ideia do Ipod existia há um tempo. Reza a lenda que quando a patente venceu ( a Apple nessa época vivia na pindura!) o Ipod foi lançado e o Steve Jobs mandou um ipod de presente para o dono da patente.

A sua ideia pode ser boa, mas sem execução ela não é nada. Ideia que não se materializa não serve. Apesar de não gostar muito desse ditado, ele é válido: feito é melhor que perfeito. Só não vale fazer as coisas com um resultado pífio e falar que é o que tem pra hoje!

Outra coisa é achar que descobriu a galinha dos ovos de ouro. Você provavelmente não inventará a próxima roda. Portanto, para saber se sua ideia tem aceitação ou não, você precisará compartilhá-la e ouvir respostas. Mas atenção: escolha as pessoas que vão te dar um feedback real com base nas experiências de vida delas. Crítica construtiva de quem nunca construiu nada é incoerente.

No vale do silício existem muitas incubadoras. Um dos primeiros requisitos que eles exigem lá é que você fale sobre o seu produto e faça um pitch. O pitch é uma apresentação de 5 minutos sobre o que o seu produto/ideia de produto faz para melhorar a vida do seu cliente. Se você não consegue convencer os recrutadores e investidores, está fora. Por isso, ao compartilhar uma ideia entre outras pessoas que possuem os mesmos objetivos, você consegue ter uma noção de aceitação. E compartilhar ideias é um dos grandes hacks que você vai encontrar na vida até mesmo para filtrar pessoas que possuem um modelo de pensamento parecido com o seu. Novas ideias e processos criativos, surgem, às vezes, de uma simples conversa.

Darwin…

Segundo o artigo da HBR citado lá no começo, as chitas(um parente das onças e das panteras) são os animais mais rápidos da américa do norte. Só que a predição de uma caça bem sucedida não se dá pela velocidade, mas ao invés disso sobre o quão rápido o animal pára e corrige sua rota. Utilizando a nomenclatura do business: adaptabilidade.

Muita coisa hoje precisa ser corrigida on-demand. E muitas vezes uma ideia pode ter um custo alto de implementação. E não estou falando de dinheiro somente. Tempo, recursos humanos, disponibilidade e todas as outras variáveis. Não inclua apenas o dinheiro na sua lista. Além disso toda burocracia envolvida pode oferecer sérios riscos a implementação das coisas. No artigo, fala-se que executivos gastam aproximadamente 10 trilhões de dólares por ano em burocracia.

Seguindo a técnica do Amyr Klink: quando der ruim, o que você poderá fazer? Essa é uma das perguntas-chave que precisará ser respondida. E reconheça as coisas que você testa pelo que elas realmente são: um experimento. Nenhuma evolução se dá de forma brusca. Você não sai de São Paulo para o Rio de Janeiro e no início do caminho encontra o Pão de Açúcar!

Ideias mirabolantes que exigem uma revolução de paradigmas muitas vezes não vão pra frente. No livro, o Poder do Hábito, há uma série de exemplos sobre isso. Embora muitas coisas possam parecer visionárias quando vistas sob a ótica do futuro, as pessoas estão acostumadas a padrões de comportamento, ações e atitudes. E as estas pessoas inclua-se nisso! A menos que exista uma condição crítica, ninguém sai da zona de conforto e muda de vida instantâneamente.

Um dos dilemas da grande ilusão é a mudança rápida e fazer o que ninguém fez anteriormente. Isso é apenas 1% dos casos, que por sinal, são os cases de sucesso utilizados em propagandas. O restante é composto de pequenas mudanças executadas em cima de pequenas mudanças. Isso é praticamente um juros composto.

Vamos supor que você melhore 0,1% ao dia durante um ano. Se você se esforçasse diariamente, lembre-se de que isso é uma suposição, ganharia no final do ano 44,02% a mais do que como começou. E esse é o poder da constância e da consistência. Ah… mas o que é o 0,1%? Veremos isso mais a frente.

Antes de terminar essa seção quero deixar claro que uma ideia não é revolucionária quanto se imagina. A sucessão de aplicações e execução a torna assim. Quando você vir uma ideia que lhe pareça tão disruptiva tenha em mente duas coisas: a execução e a charlatanice.

A transparência dos processos

Dando foco na execução, a clareza dos processos tem um papel fundamental nos dias atuais. Com frequência muitos processos são abstratos e visualizar os resultados requer uma disciplina e métodos de acompanhamento que são cada vez mais elaborados. O alto grau de desistência consiste numa coisa simples: quem executa não enxerga resultado e não sabe se ele vem ou não. Isso gera desmotivação e sem um motivo, o fracasso. Também a execução pode estar dentro do esperado e o resultado não ser bom. Aí corrige-se a rota.

O grande dilema da execução atualmente é colocar métricas objetivas nos processos. Tudo pode ser metrificado. Saber se uma coisa anda ou não é fundamental para que as pessoas tenham noção de como ajustar a rota para atingir o objetivo. Não dá pra ter noção de granularidade no começo. No livro dos cinco anéis, de Miyamoto Musashi, uma frase resume isso: “No começo, tudo é difícil”. Mas o importante é ter o que colocar no papel: seja um número, um sentimento ou qualquer coisa que deixe de ser abstrata e passe a ser objetiva.

A mentalidade é que com o tempo possa ser adquirido “macetes”. Macete é aquele tipo de prática que onde o cidadão faz o seguinte: “Se você fizer assim você consegue um resultado melhor”. Um bom filtro para bons profissionais são os resultados. Chega-se aos detalhes e coisas que vêm somente com a prática. Sem ter uma métrica dificilmente, e acrescentaria que isso é quase impossível, você atingirá resultados. As métricas tornam o processo transparente. Você sabe o que está acontecendo e se divulga, as outras pessoas sabem.

Atletas de alta performance a obtém com métricas. No futebol, fulano faz uma determinada quantidade de gols, desarmes, assistências. Na corrida, corre determinado trecho em um tempo. Todo esporte é metrificado. E como é no esporte, todas as outras áreas da vida onde resultados precisam ser demonstrados as métricas estão presentes. Métrica é o que torna a ideia objetiva.

Decisões Reversíveis

Nenhuma ideia nasce pronta. O que pode ser feito nesse sentido é dividir a execução em várias partes para que se minimize os efeitos colaterais e as coisas possam ser descartadas ou corrigidas.

O resultado pronto e fácil e de alto rendimento é uma coisa a ser questionada. Falamos lá em cima que isso pode ser duas coisas: um grande acerto único ou uma provável charlatanice.

O primeiro caso é daquele tipo que é a mesma probabilidade que alguém tem de ganhar na loteria. Existem, são raros, mas não é o tipo de caso que dá pra analisar. São muito fora da curva e não seguem um padrão. Qualquer coisa que for falar em cima disso é bulshit.

O segundo caso é um pouco mais complicado porque trabalha a ignorância das pessoas. E isso é muito mais comum do que se imagina. Afinal, quem não gosta de dinheiro fácil?

Todos nós somos ignorantes em alguma medida. Não há métricas e nem parâmetros pra isso. E quem sabe disso explora as coisas de uma forma imoral. E no final, muita gente se declara vítima de algum esquema ou golpe.

Como então, podemos identificar isso? Na maioria dos casos o melhor a se fazer é entender que determinadas coisas não são tão triviais quanto parecem. E, se em algum momento isso fosse verdade, não existiriam tantas vítimas de falcatruas. Por que então perder uma grande soma ao invés de poder testar com uma quantia menor?

Isso pode parecer óbvio, porém não o é. Quando essa oportunidade está fora ela parece tão clara que podemos discernir depois do ocorrido. Porém, ao acharmos que nós temos uma ideia que ninguém fez, algumas vezes costumamos apostar todas as nossas fichas num lugar só. Em resumo: você pode estar se sabotando e não sabe!

As decisões reversíveis são práticas de experimento. Você tem uma ideia e deseja experimentá-la. Ou seja, se algo não der certo, tudo bem. É um teste! Trate como um! Na maioria das vezes com esta simples postura conseguimos ver que muitas coisas do que imaginamos são bem estúpidas na realidade. E isso estava dentro de nós!

Epílogo

Por que então boas ideias fracassam tão rápido?

Primeiro porque ela pode não ser tão boa. Embora vejamos a ideia como boa, ela não é uma ideia executável e não tem uma aplicação prática. Depois, pode ser que não damos vazão às coisas certas e a ideia não tenha adaptabilidade. Tornar a execução adaptável é o que pode transformar um erro em um aprendizado. Isso se torna vital a ponto de conseguirmos corrigir as coisas para que a ideia sobreviva.

Outra coisa é com relação a clareza. A ideia pode ser excelente mas se na execução você não tem como mensurar as coisas que importam isso pode ser um problema no futuro. A ideia do progresso interminável ou do “lucro de 1% ao dia” é fantasiosa e talvez você perceba isso tarde demais. Por isso o simples ato de escrever ou manter um acompanhamento da sua ideia pode te dar bons insights e fazer com que você faça uma melhor implementação ou adote outra técnica.

Por último, você não pode ter aversão a riscos. Porém o risco não é fazer as coisas que qualquer jeito ou de forma estúpida. Porque aí você vai ficar machucado e provavelmente não queira mais dar vazão às suas ideias.

Com relação a saber porque o pé de feijão morreu: ainda não sei. Mas em cima disso estou desenvolvendo um projeto de uma estufa automatizada colaborativa. Entendo que várias cabeças pensam mais que uma e que as pessoas querem compartilhar conhecimentos simples, como uma horta, para melhorar o projeto. Num futuro próximo, quem sabe, tenha boas respostas para compartilhar.

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