Só sei que nada sei: a relevância do que não sabemos
Tópicos
- Introdução
- A casa sempre ganha
- A fé e o fanatismo
- Troca de contexto
- A relevância do que não sabemos
- A ilusão dos sentidos
- Conclusão
Introdução
A ignorância, segundo o budismo, é o mal de todas as coisas. Isso é muito sutil, incompreensível de um ponto de vista da maioria das pessoas. Aquela pergunta do tipo “e daí”? Qual é então a medida em que saber disso modifica a minha vida? Isso é uma pergunta que teremos que examinar de forma mais profunda para encontrar respostas mais compatíveis com o nosso contexto atual.
A casa sempre ganha
Quando li o livro “A lógica do Cisne Negro” do Taleb muita coisa acerca da ignorância (na linguagem dele a incerteza), foi esclarecida. Vendo o quanto as pessoas tentam “prever” o futuro, entendi que há situações onde muita coisa é charlatanismo. Na época do Sócrates tinha um outro nome: sofistas. A intenção era a mesma.
Num contexto simples, se você fosse uma pessoa não ignorante saberia exatamente o que fazer na hora que precisasse. Mas o mundo não funciona assim. Embora as coisas não sejam tão binárias, existe um grau de incerteza em cada ação que fazemos com a expectativa de um resultado. Isso faz parte da vida e precisa ter um grau maior de relevância do que possui. Talvez o reconhecimento desse fator faça com que qualifiquemos algumas das nossas ações.
O primeiro fator é que o mundo não é previsível, principalmente quando a complexidade aumenta. Quer saber se é complexo? Procure saber quantas pessoas conseguiram. Exija prova social. E é aqui que entra o golpe. Por que diabos, você é o ungido? O Alecrim Dourado? A probabilidade matemática de ganhar na mega sena é gigantesca, fiscalizada e você acha que encontrou uma maneira fácil de ganhar?
O exemplo acima pode parecer meio exagerado, mas possui um contexto válido. A diferença é que há todo um storytelling para ilusão da potencial vítima, com a aparência de credibilidade, para validar a história. Uma pessoa entre um milhão ganha, mas não é bem assim. Ela faz a máquina girar. Se ela não ganhasse o sistema não funcionaria. Qual seria a credibilidade de um sistema que não premia ninguém?
É preciso entender em que há certas situações onde a casa sempre ganha.
A fé e o fanatismo
Acreditar é inato do ser humano. O senso de propósito é a guia de todos. Mas o quem tem a ver a fé e o fanatismo com a ignorância?
Ter fé é entender que apesar da sua ignorância você acredita que algo pode dar certo. O fanatismo vem de uma necessidade forçada de acreditar nas coisas. O fanático é o ignorante sem consciência. A fé é a contrapartida do fanatismo. Quem tem fé, tem consciência de que não sabe. Mas acredita.
O importante para entender aqui é que esses mecanismos são importantes para não sermos enganados. A ilusão de que certas coisas podem ser realizadas, parte do princípio em que estamos abertos a mudanças. Isso pode se tornar vulnerabilidade em várias situações. Por isso existe uma certa tendência em manipular quem se encontra nas condições de muita fé ou fanatismo. A história registra muita coisa errada sobre isso.
Podemos ver essas coisas em ação quando elas adquirem uma dimensão maior em relação a outras ações cotidianas. Mas o difícil é enxergar essas coisas no dia a dia. Por que? Porque no contexto cotidiano não estamos acostumados a estar aberto a este tipo de influência. Geralmente as pessoas associam a fé e o fanatismo à religião, mas não é só aí que essas coisas acontecem. Existe fé e fanatismo na ciência, na arte e em outras áreas da vida.
Troca de contexto
Tudo depende do referencial. Quando disse acima que podemos estar aberto ou não a influências, quis dizer que o contexto e a forma como vemos as coisas importa. Isso até introduz um certo grau de coerência. Você vai a um médico ou a um mecânico quando está doente? É sobre isso.
Para questões onde a dicotomia das situações são claras, o entendimento é mais fácil. Não existe, porém, um esclarecimento desse entendimento quando as coisas são mais sutis. Embora tenhamos uma única vida, participamos da troca de contexto em várias situações do nosso dia. Seria como se tivéssemos várias vidas dentro de uma só. Os gregos até deram um nome para isso: persona. E para isso precisamos de uma espécie de ritual que nos coloque dentro de um contexto onde determinada situação precisa ser realizada.
De forma inconsciente, somos influenciados por muitas coisas. Pelo ambiente, pela opinião das pessoas com as quais convivemos, etc. Por que digo inconsciente? Porque nesse contexto absorvemos coisas do ambiente sem nos dar conta de forma contínua. É necessário muita disposição e energia para reverter o jogo. Mas nem isso o deixa invulnerável a influência. Se blindar exige muita energia e força de vontade.
Não somos bons em fazer várias coisas. Mesmo dentro de uma área específica, existem atividades nas quais temos desempenho melhor que as outras. Para comprometer qualquer resultado bom basta fazer uma coisa: faça várias atividades ao mesmo tempo. Isso destrói qualquer possibilidade de um resultado bom.
A troca de contexto deve ser evitada em algumas situações: quando precisamos de resultados, quando precisamos de foco e quando queremos profundidade. A consciência de que sofremos influências do ambiente mesmo à revelia é uma sanção da nossa ignorância e falta de controle sobre nós mesmos em determinadas situações.
A relevância do que não sabemos
Se soubéssemos exatamente o que nós acreditamos que sabemos, não teríamos mais problemas. Embora você encontre múltiplas maneiras de abordar um problema você deve partir de um pressuposto do qual não sabe. Esse tipo de abordagem evita muitos erros de perspectiva e deixa a sua mente vazia para novos aprendizados. Esvaziar a mente, algo comum na cultura oriental, é ter consciência da própria ignorância. Por um silogismo, o que não sabemos é muito mais relevante. Até porque se você realmente soubesse, já teria agido.
Ao perguntar a qualquer profissional experiente você verá uma coisa incomum: a consciência dos limites. Quanto mais experiente e bom, mais noção de limites ele terá. Ele entende que sempre há muito mais profundidade dentro daquilo que ele não sabe. Esse não saber é um imenso mistério que precisa ser desvendado de forma cuidadosa e contínua. Existe um respeito quase sagrado entre ele e o seu ofício.
A ilusão dos sentidos
A promoção de uma cultura baseada no culto aos instintos e desejos, alimenta um imenso monstro insaciável dentro de nós. Promovido de forma aberta, tomamos por referência de forma inconsciente para acalmar interesses externos que com o tempo tornamos nossos interesses. Comidas ruins (junk food) mas que são saborosas. Essências doces para disfarçar mau cheiro. Imagens excessivamente artificializadas para nos dar uma sensação de completude. Um mundo feito de forma artificial a fim de nos dizer que esse tipo de vida é uma boa vida.
Embora tudo isso esteja a nossa disposição, ainda existe dentro de nós o desejo de completude. É o cosmos dos desejos. Está ligado a outras estruturas e é mais completo. É necessário um treinamento para ouvi-lo.
Na imensidão das coisas que nos falta, tendemos a crer na ilusão disfarçada de completude. De forma sorrateira ela simula características que acreditamos preencher todos os nossos anseios. Uma das diferenças entre ela e a completude é que a última permanece o que é. O tempo é cruel com as formas ilusórias.
Conclusão
A frase socrática é um dos atos conscientes mais profundos que existe. Saber que o conhecemos é muito pouco perto de um gigante universo das coisas é um preludio de sensatez, prudência e humildade. Tanto a ilusão de um conhecimento falso como a aceitação de um estado de ignorância são coisas que devemos evitar. Nos encontramos no estado de ignorância e caminhamos através dele para deixá-lo neste mundo. Consciente, de forma contínua e consistente.